quinta-feira, 19 de julho de 2012

Aos malditos, com amor

Escrever sempre me foi uma tarefa corriqueira. Na verdade, algo tão habitual que muitas vezes nem me dava conta disso. Antes mesmo de ser alfabetizada, eu já criava as minhas verdades inventadas. Poemas recitados, em voz alta, no balanço do playground, no banho, antes de dormir. Hábito estranho que sem dúvida contribuiu na decisão de minha mãe de que um psicólogo infantil talvez fosse uma boa ideia.

E eu sempre gostei dos livros. Eu recontava as histórias que a minha avó lia, mas sempre tornando-as mais apetitosas para os meus instintos de maldição precoce. O príncipe que caiu no sono para sempre junto à amada. Os porquinhos que deram uma indigestão sem fim ao lobo. A princesa que, como um santa do catecismo, ficou para sempre, belíssima, em seu esquife de vidro. Mal sabia eu que, na verdade, aquelas histórias tinham finais muito mais mórbidos do que aqueles que eu improvisava. Talvez seja por isso que, até hoje, elas me fascinem tanto.

Pouco tempo depois, os hormônios e os anos de som e fúria chegaram com todas as suas interpéries, trazendo consigo vozes que mudaram tudo. O negror, a dor, a peste, a violência, a luxúria, a sede de viver algo que ainda não tem nome e que jamais o terá. Os gritos de outros tempos que chegavam até mim em meu quarto gelado no alto das montanhas como se fossem meus espelhos. Após desses dias, nunca mais me senti só. E descobri que eu também podia berrar.

Donatien, Oscar, Edgar, Arthur, Augusto, Mary, Manuel, George, Percy, Viriginia, Caio, Sylvia, Ana. Os meus poetas que me acompanham vida afora, que souberam tão bem flertar com a morte e serem por ela consumidos. Os meus moços da Escola de Morrer Cedo, que não tiveram medo da tormenta que se esconde por trás dos combustíveis para a alma. Sejam eles amores improváveis, impossíveis, proibidos. O torrão de açúcar que transforma o absinto. As sementes de papoula. A solidão intransponível do que apodreceu. Eles, que não tinham medo das chamas.

Os meus poetas já estavam mortos quando o sol se levantava para mim e me orgulho de carregar suas mortes e suas odes ao que se foi, como um legado. Senti seus dedos pontudos me empurrando para o abismo, onde encontrei o meu caminho. E agora, tantos anos depois, devo a eles tudo o que persegui, conquistei e acalento para mim. A eles, dedico todo o meu amor mais incendiário e o meu desejo profundo de um dia, quem sabe, também poder compartilhar de toda essa maldição.

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